quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Anexo do reflexo

Cabelo de palha ressecada.
Olheiras de berinjela cozida.
Orelhas de abanar incêndio.
Olhos de azeitonas desidratadas
Nariz de tomate seco.
Crateras de cravos espremidos.
Bochechas de cão submisso.
Queixo de queijo coalho.
Lábios de lebre mal humorada
Pescoço de ganso assustado.
Braços de músculos desvalidos.
Peito de pêlos fugitivos.
Umbigo de fiapos de camiseta.
Barriga de colchão inflável.

Espelho de merda!

Só queria escovar os meus dentes.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Mito de Roma

mentiras de pernas curtas
peito de pombo

verdade de pernas tortas
peito de aço

jamais pé torto

matou todas no peito

pequena bota
nunca Botafogo

conquistou com braço forte
muitas batalhas

poucos treinos

nunca foi gladiador
comoveu a América

carros importados

Vasco da Gama
foi importado
dono da grama
pouco se importa
perdeu muita grana
foi deportado

desmanda no América
eternamente tempestivo
não foi furacão
é tempestade

não é Tornado
é atemporal
não é Jorge Ben
compôs com Bebeto

não é imperador
nunca foi rei
tabelou com Raí
ultrapassou Parreiras

dominou toda a Terra

menos Luxemburgo

terça-feira, 27 de abril de 2010

Extrema unção

Espero que quando
esta garrafa

agora lançada
quase num
mar, se lácteo,

ao lado de outros tantos
resíduos emparelheiros

esperando para as águas:
“regra, haja uma!”

entre lagos

inteiramente à margem
na cidade adúltera

sem saber o que de tóxico
sai de sua Billings

ante o fluxo
meio assim
jururu com a chuva

chegar até você

Santo Amaro abençoe
que a estação Embu Guaçu
esteja sendo inaugurada,

Socorro!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O último Dia das Crianças

Artur, caminhão de gás, Dona Flora, sirene, Célia, carteiro, Seu Tanaka, todos passam à porta do restaurante.
– Ah, esse cheiro de peixe. Tô com fome.
– Eu também. Calma, velho, a gente resolve.
– Cadê tua mãe, Tinho?
– Não sei. Diz que ia pedir dinheiro pra uns parentes nossos lá em Minas.
– Sonhei que estava voando, sabia?
– De novo, Salmão? Só falta acreditar em ET também.
– Lógico. É só olhar tua cara.

Gargalhadas alheias quase sempre incomodam cidadãos de bem. Enquanto almoçam.

– Cala a boca!
– Manda calar a boca da tua mãe, seu corno.
– Moleque filho da puta!
Três murros, Salmão cai de boca. Rosto se avermelha, Salmão se encosta. Segundos se arrastam, Salmão silencia.
Sacola rebola, Salmão observa. Barriga ronca, Salmão respira. Raiva saliva, Salmão pega a pedra. Sacola é branca, Salmão preto novo. Rosto se seca, Salmão se levanta. Sacola balança, Salmão solta a pedra.
Parece comida, Salmão, atleta. Pernas curtas, Salmão, lebre. Mãos ágeis, Salmão, ratazana. Sacola é sua, Salmão, bailarino.
São só brinquedos, Salmão, passos leves.
– Ladrão!
Farda é cinza, Salmão passa cego.
– Corre, Salmão!
Ferro é brilhante, Salmão, passos largos
– Se abaixa, Salmão!

Disparo é seco.

Salmão, passarinho.

Negócio da China

Isso aí, fio? Foi pra aligeirar o espírito. Faísca pura. Correria de alma penada.
Aqui é fumaça, poeira. Quando parece ter chegado no pranchador, eu entro de sola.
É assim. Não tem boi.
Só o couro.
Às vezes, tá tudo desenhado na mão do modelista. Sem erro. Costura na mosca. Escolhido fiozinho a dedo. Volta a volta. Parece que demora nada. Mas demora. Vida quando encalha, só puxando com a tenária.
Freguês? Ah, assunta. Marido encomenda. É rabisco no papel, engenharia, voz borrada de manteiga. Mil e uma? Milhão de noite no seguro, menino. Nas tantas, em vez dele, mulher é que vem pegar. Diz que não gosta. Rapaz, é reza que ai se fia minha declama. E não é? Sou o capeta. O próprio. Vivinho. Nem pra ser sócio do cão. Sou ele mesmo. Chifre e enxofre. Credo-cruz. Lá tenho culpa? E cadê o homem pra acudir o acabado? Aí santo é que não sou. Praga é de atirador: ajuda, céu, pra que ela durma de calça jeans.
Todo caso, o que se faz? Macho, pro que é sortido, padece de desespero. Cheiro de fêmea é que enche bucho meu e dos meus. Mulher é fervura de óleo no asfalto pro que é de mesmo. Agora, pro que é de outro, mesma cor é que olho se arreganha. Oxalá mesmo tom. Se escapa, é no salto. Se espreita, é rasteira. Tudo combina no formigar dos desejos.
Fôrma justinha existe não. Existe nunca. A mão é que faz o apagado se alumiar nas vistas. Sozinha não. Mão e martelo. Mão e alicate. E cabeça cabeçuda. Não confia na ordem do acabador. Em tudo que é caminho, a palmilha é a passo de onça na tocaia.
Vinguei na Terra de pé nessa bancada não, viu. Ih, já fui de enxada. Testa lisa tua até me lembra. Sol do dia, esterco fedeu menos que eu. Diz que, desde os espadeiros, as terras têm administrador. As de lá não carece de ser diferente. Grito zuniu bem no umbigo do juízo. Tronxo, engessei. Nem pé-de-ferro alinhava. Bicho de fuça gelada apanha e lambe o dono. Palavra, menino, é facão. Quando de boa amoladura, no capim é nada. Na cara de menino-homem, é pra mundo inteiro ter de conhecido. Escafeder de roçaria foi jura minha. Sem abrir novo parágrafo. Lá? Miolo bom só tem a carroça. Já vem com duas rodas, sustenta homem coxo e é puxada por um burro.
Santo Antônio é comigo. Arrependo jamais. Meu invento é que nem minhas crias. Prazer é na feitura. Mundo é que usa, gasta, envelhece. Pra passe livre nas romarias, dei de pespontador da ventura divina até o ponto dessa linha. Até ponto e vírgula; pra dar sempre de parecer que não é de prosa ruim por definido.
Mas, na verdade, sonho meu é tornar pra tudo aquilo. Eu e os meus. Assim que me tomar de aposento. Parado? Fico nada. Carcaça apodrece, urubu apetece. Pedágio pra São Pedro tem que ser é a prazo, que nem carnê de loja de mobília.
Dias de agora? Pergunta tua reluzeia lembrança ressabiada. Haja hoje pra tanto ontem. Isso aí? Coisa de moço no maior dos casos. Jovem que tem dessas modas. Até já quis mandar tudo pra fogueira, que nem com as bruxas. Passar das luas, alma fica mais molenga. Tenho nada mais contra. A favor também é de raro. Noves fora, sei mais não. Protejo pé de gente pro mundo sentir aos migalhos, sem machucação. Passo de vez. Passo de não.
Tênis, fio? Botou foi todo mundo pra correr.

buraco negro

ah, enfim eu, em minha
cápsula espacial,
lançado aos...
– Céus!

É de madeira.

B. O.

– Eu me lembro de um dedo.
– Agenor, registra isso. E o rosto dele?
– Não sei.
– Tudo bem. Usou algo pra te assustar?
– Um revólver.
– Miserável. Uma senhora de setenta e dois...
– Não, uma faca.
– Calma. Olha só, revólver ou faca?
– Não sei.
– Como o infeliz estava vestido?
– Calça jeans.
– Ótimo.
– Bermuda.
– Como assim?
– Não sei.
– Além de rasgar tua roupa, ele bateu na senhora?
– Três tapas.
– Certo. E depois, o que ele fez?
– Não, dois socos.
– Dona Francisca, tapas ou socos?
– Não sei.
– Santa Clara! Que cacete a senhora lembra afinal?
– Nenhum, doutor. Eu me lembro de um dedo.