terça-feira, 4 de março de 2008

Espontânea mente

É alguma coisa perdida
no fundo do infinito profundo
alguma coisa no seu estado primário
num puro estilo primeiro
na esquecida linha escondida
por detrás de onde não se vê
nos esconderijos de onde não se sente

Choro de criança antes do entardecer
som pesado de leve brisa

É alguma coisa lá, na saída
tal coisa cá, sem pseudo-vida
na vida de quem está no meio
toque de mão de quem veio
pele áspera que se alisa

Alguma coisa
nas pirâmides faraônicas desérticas
algo de sujo entre a limpeza ética
entre a destreza eclética da sapiência

O que não está à vista, é a prazo
qualidade de fumaça de incenso
é fundo, longe do raso
fato para além do próprio caso
menina atrás do muro
atrás de paredes inteiras
do bate-cara de esconde-esconde

Está na imprudente prudência da ciência
na plataforma ao embarcar de madrugada
na forma, sem forma, na essência
no essencial platônico da matéria
comicidade de pessoa séria
socrática supremacia aristotélica

É alguma coisa, sei que é
logo ali, depois do cheiro de pipoca
no limiar entre o passo e o poço
na internidade do não-poder
existe sempre e sempre existe
à frente de onde não se anda

Alguma fraternidade com verdade pronta
alguma coisa
coisa que se faz
coisa, algo, uma, coisa
saudade visível
indivisível sonho anti-semiótico

Força da chuva fina
alguma coisa

Coisa que chama, implora
e na voz e na lágrima
mesma coisa pede passagem
mas, mais uma vez, chama

E, num susto quase racional,
eu, já pálido, respondo:

- Vou não, porque é coisa
e está escondida, sem vista,
sem espaço para visita

Vôo não.

Boa viagem.