sábado, 5 de julho de 2008

Sempre jogo o papel da bala no lixo.
Fico angustiado.
Papel é papel.
Bala é bala.
Bala é doce.
Bala se come.
Papel não se come.
Mas guarda, da bala, o nome.
Bala sem papel é só bala.
Mas bala com papel, fala.
Bala sem papel é bala.
Mas é anônima.
É doce, é dura, é mole.
Sem nome, sem nome.
Sem papel, nome não tem.
E por que o papel vai pro lixo?
O que se faz com o que não se come, mas tem nome?
E por que eu jogo o nome da bala no lixo?
Por que não guardo o papel e jogo a bala?
Anônima, ela se derrete.
É chupada, dissolvida.
No final, sempre mordida.
Afinal, sempre engolida.
Mas não tem nome.
O nome foi pro lixo.
A questão vai, porém, ao nome que se tem.
Quando se fala do papel, a questão vai mais além.
O nome da bala.
O nome da bala é o nome da bala.
E ela no papel está.
O nome que está no papel não é do papel.
O papel tem nome, mas não é dele.
O nome que está no papel é da bala.
E qual é o nome do papel?
E no mundo, então, qual o seu papel?
O papel não tem nome.
Ele é o nome.
Nome da bala.
Não tem nome, o papel.
Papel é papel.
E papel vai pro lixo.
Porque eu o jogo no lixo.
Nem pro lixo vai.
Vai pro chão.
O nome da bala entope os canos.
Entope as valas.
Entope os bueiros.
Entope o que a bala não entupiria.
Não entupiria porque se acabaria antes de entupir.
Morreria indigente.
Papel quando entope, é papel.
Achado.
Com nome.
Sem nome.
Bala quando se engole, é bala.
Perdida.
Nome achado.
Sem vida.

A cor ilegal

Certa vez, fui sorrateiramente perguntado, como numa noite simples de outono, se sabia o que é cor ilegal.
Nem a pergunta era tão simples. Nem a noite era de outono.
Um verão minguante na verdade. Águas de março. Sem promessas de vida. Nem sutis tons de saudade.
Parecia que se tratava de algo desconhecido por muitos. Até pelos próprios artistas plásticos. Por assim ser, num depois a esqueci. Ou melhor, a guardei em espaço desaparecido. Ilegal não é tão moral, não é? Um moço tão sereno, se preocupar com a ilegalidade?
Toquei a vida. As vidas. Duas. De tatos suavizados. Fui tocado por elas. Pelo amor de instalação em via pública de mão dupla. Por algumas letras impressas num mar branco. Pela edição pacata de cenas de presente sem passado. Que, de tão macia pele, se fez película.
Mas a cor não é decoração. Movida sem ser ação de cor.
É ilegal.
Roubo, aparentemente covarde, noturno, à mão armada, de um transeunte apressado e só, num beco vazio, às luzes artificiais que oscilam entre as lâmpadas que reluzem e as que, por estarem queimadas, não reluzem mais.
É ilegal. E é cor. Entre tantas cores, as mesmas lâmpadas, ainda acesas, emitiram suas luzes para que todas fossem cor. Sua própria cor.
Mas todas as cores surgiram enquanto, no verão, era noite. E as cores, assim como as luzes oscilantes que as formavam, eram artificiais? Complexo saber.
Faltava o apanhado de todas as cores quando chegasse a manhã. A luz do sol. Natural. Todas as cores compondo suas próprias cores. E, no meio delas, a cor ilegal.
Com a manhã e o sol veio a necessidade de vasculhar o lugar desaparecido. Quando o achei, lá estava ela. Com a sua gradativa ilegalidade.
Eis que surge, enfim, a cor ilegal. Não pelos livros e suas linhas de raciocínios que tentam ser lógicos. Não pelas bocas que vomitam sua teoria. Não pelas aquarelas, nem pelas cenas, nem pelas fotos.
Reluziu a mim. Inerte. Fria cor entre as cores quentes. Quente por ser ilegal. Fria por ser cor. Apanhei-a, mesmo assim, para juntá-la à minha aquarela. Passei, então, a pintar um novo quadro. Híbrida cromática com a sua presença.
A nova forma ficou amorfa. Deforme. Traços sem direção, sem sentido, com cores todas. E com a cor ilegal.
Num piscar de olhos - de quase mesmas cores -, havia uma nova composição. Nada era mais roubado. Nada era mais noite. Nem luzes oscilantes. Surpreendentemente, em pleno dia, os pontos de luz, com lâmpadas, antes, queimadas, acenderam. Talvez, por terem sido trocadas enquanto a cor ilegal era contemplada, clarearam seu entorno tão ofuscadas pelo sol que passaram despercebidas.
Com o tempo, já com o desenrolar do outono, pude amadurecer os efeitos dessa nova proposta à arte de viver. Não por completo. Porém dando espaço à existência de novas cores às duas vidas.
Sensações diferentes, a partir dos olhos, fizeram-me reparar que a ilegalidade da cor não é somente da cor. A cor pode ser cor sozinha. A ilegalidade não. Porque, para ser ela mesma, precisa da legalidade da coisa que ela parasita.
A noite, o dia e a pergunta sorrateiras... elas sim: ilegais. A cor, que está em ambos os olhos, na noite, no dia e na pergunta... esta: cor.
Para ela que olho agora. Olho neste quase inverno. A cor. Com a vermelhidão do sol que outrora ardia ainda na pele, agora um pouco mais bronzeada. Ela. Sorridente com a ilegalidade que ora vem valsar em sua inocência diurna e ora vem escondê-la por seu medo das trevas.
Para ela que olho. Já a sentir que ilegal, na verdade, depois da chuva, fica cada vez mais o meu próprio ser. A procurar as luzes da noite a fim de encontrá-la pacata e de outono, mesmo sabendo que, depois do dia e do verão, a cor e sua ilegalidade jamais voltarão ao seu estado anterior.
Mas qual será o seu novo estado?
Será uma nova cor ou uma nova ilegalidade? Será a mesma cor com ilegalidades múltiplas? Será a mesma ilegalidade com novas cores? Ou será uma simples cor, legal como tantas outras?
Não sei.
Eu, um pouco mais outono com pingos de inverno. Outros tempos mais primavera com pingos de verão. Eu, amante platônico do sol, mas com um protetor aos seus raios.
Eu, talvez somente cor, mas querendo tanto entender sua ilegalidade, mesmo que a repulse.
Eu. Brisa. Meios-raios.
Eu, noite ainda dia. Aparecer de lua sob os últimos suspiros de sol.
Eu?
Mate, mas com leite.

volvida

cheirei palavras
materializadas
pelo bater de olhos
sobre as coisas
no caminho
moinho
de volta

entre bolinhas pretas
de assoalho
e rebite
de chapa de alumínio,
gases carbônicos
de desconhecimento

a métrica é não
ter

tri
ca
o
flu
xo
é
o
desfluxo do alento

sono meu se perde
multidão
de reflexos
amorfos
reflexões
subterrâneas
luzes
subalternas

sobrealternadas

livros
parados
nas estantes
sem leitura

mas tem face
e
tem
tra
ços
e gestos talvez

coisa que in-forma
e
se
vai
até
a
pró
xi
ma
estação de desejos

vidas se
abrem

portas
se
fecham

portas
se abrem...

onde estão
as
vidas?

anagramar

o mar
e cada partícula
que no mar mora

existência dum império
duma cidade-estado
de exército próprio
que se expande
se emancipa
se soma

beligerante e belo

Roma

porque não é fácil
a descoberta

há aqueles que clamam
mas poucos oram
para ter certo
o seu surgir
sem se fugir

e trombetas, soam
o que há de sujo
ratos, roam
impureza corroída
e tudo mais seguro
ar e sopro puro

coberto não estava
nem existia
nem pensava
mas de semente
se fez algo
e de repente
se fez ramo
adiante
se fez flor

aroma aroma aroma

tempo restante
fruto

amora amora amora

amor há amor há amor

há amor há

amor

espiral

não quero mais
pensamento comum ao tempo
ato com hora marcada
perfeita convenção armada de cinza
réplica coerente
palavra sem repente

a eficácia de justificar
o que não foi vivido
é a mesma de se apertar
um parafuso
de fenda espanada

quero dar vazão
ao que sente a pele

onde está
o chocolate com café?
a escondida vontade de furar a fila?

e por onde anda
o dedo no recheio do bolo?

 a partir de agora quero
astúcia desarmada de réplica
repente da palavra
tempo incomum ao devaneio do pensar

quero
fato